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Cástor Saldaña Sousa
sousa@usal.es

Em julho de 2019, participei como palestrante do III Congresso Internacional dos Povos Indígenas da América Latina (CIPIAL), realizado em Brasília.


Meu trabalho foi aceito no simpósio temático «Diálogos interdisciplinares sobre temas transversais à educação formal e informal para escolares e não escolares da Educação Indígena». Apresentamos um modelo teórico-conceitual denominado «etnopsicologia dinâmica», com base em dados etnográficos referentes ao ciclo da infância da etnia Matshiguenga e sua atual situação educacional na comunidade (Saldaña & Borda, 2019, p.15-16). Devido à afinidade temática com os demais participantes, fui convidado por um participante a visitar a Universidade Federal do Pará (UFPA), localizada na cidade de Belém, no estado do Pará, e por uma das coordenadoras do simpósio, Antonia Lemos Braga de Morae, para Novo Repartimento, localizado no estado do Pará.

Antonia estava fazendo seu mestrado em educação com a etnia Awaete Parakana, localizada a aproximadamente uma hora de Novo Repartimento, onde atravessa a rodovia transamazônica que invadiu o território de Parakaná. Os antecedentes da construção da rodovia transamazônica fazem parte da história das lutas e invasões do território do povo indígena Parakana, manifestadas pelo acordo Electronorte-Funai.

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A apresentação da Antonia foi intitulada “cognicoes dos profesores indígenas nas escolas parakana sobre habilidades sociais e desempenho académico”; portanto, havia vários aspectos em comum em nosso trabalho de campo que se complementavam. Essa situação gerou o convite de uma visita de cortesia a uma das aldeias do território de Parakaná, passando anteriormente pelo centro administrativo do território de Parakana e com o consentimento prévio da visita às autoridades nativas.


Antonia, desde o primeiro momento do congresso e durante a estadia em Novo Repartimento, relatou-me a situação histórica, política, educacional, social e cultural das aldeias, intimamente ligada ao «problema da terra» e ao território de Parakana. O grupo étnico Awaete Parakana pertence à família das línguas tupi-guarani. O termo «Awaeté» é uma auto-designação assumida pela comunidade que faz parte de sua construção da identidade étnica.


Etnolinguisticamente, «Awaete» significa «povo da verdade» (Braga de Moraes, 2019, p.5). A história dos Parakana é marcada por uma história de lutas interétnicas e, principalmente, intraétnicas. As lutas que os Parakana tiveram dentro do mesmo grupo étnico devido a casos amorosos e sequestro de mulheres, levaram à morte de vários indígenas, gerando uma divisão intraétnica que os antropólogos acadêmicos os classificaram no grupo Parakana Ocidental e no grupo Parakana Oriental.

Com o tempo, ambos os grupos mudaram seus estilos de vida e padrões de assentamento, mantendo traços culturais em alguns casos ou fazendo adaptações culturais em outros. No caso do Parakana oriental, ao qual pude acessar durante a visita, eles se tornaram mais sedentários e defensivos em seu território:

Os Povos Indígenas Parakanã, atualmente vivem em uma área de 351.697,41 ha, legalmente demarcada, homologada e registrada no serviço de Patrimônio da União, conforme Decreto 248/91 de 29.10.91. A Terra Indígena Parakanã está situada em dois municípios no estado do Pará: Novo Repartimento e Itupiranga. (Braga de Moraes, 2019, p. 5)

O povo Parakana está passando por um processo de mudança cultural no contexto de pouco mais de trinta anos de contato com a sociedade não indígena e instituições governamentais com o contexto histórico acima mencionado. Essa mudança cultural tem início na invasão de seus territórios e no uso de recursos naturais e na exploração de matérias-primas relacionadas à administração colonial e aos países desenvolvidos.

A atual mudança cultural se manifesta no processo escolar ocidental como uma estratégia da cultura dominante para integrar “minorias étnicas” ao Estado-nação através da imposição primária da língua, neste caso, o português. Muitos dos professores falam duas línguas: português e Awaete Xe’enga. É nessa base que a educação bilíngue e os processos interculturais são considerados uma estratégia de aculturação.


Figura 1. Aldeia central de Parakana
(Fonte: autor)

A principal razão para a visita à aldeia de Parakana está ligada à sinergia de nossas pesquisas no campo da educação indígena escolarizada e ñao escolarizada. Existem processos semelhantes na intervenção dos governos peruano e brasileiro sobre a inclusão dos povos indígenas na educação escolar. No caso da etnia Awaete Parakana do Brasil:

A educação escolar indígena do Município de Novo Repartimento foi institucionalizada no ano de 2017. Possui atualmente 14 escolas em 14 aldeias em TI. Parakanã. A educação conta com professores não indígenas e profesores indígenas. Os professores indígenas que trabalham no município de Novo Repartimento perfazem um total de 30 e estão no primeiro ano de experiência com o trabalho docente. (Braga de Moraes, 2019, p. 6)

A aldeia visitada é chamada Xataopawa, pertencente ao grupo oriental de Parakana. Fomos atendidos pelo chefe da vila e Moroyroa Parakana, que tinha o papel de supervisor indígena. Moroyroa, na língua materna, awaete xe´enga significa idoso, coordenador e também chefe. Eles gentilmente nos assistiram, mostrando-nos as salas de aula em que as crianças parakana são ensinadas, bem como a casa de reunião comunitária e o ambiente da aldeia.

Nas salas de aula, vimos algumas manifestações artísticas desenhadas pelas crianças que refletiam as roupas de Parakana. Esse fato da psicologia cultural é uma amostra da transmissão de tradição e valores culturais dentro de seu calendário festivo anual. Nas festividades importantes da vila, eles retomam suas próprias roupas de Awaeté Parakana com a realização de seus respectivos rituais. Nessas datas cruciais, a visão de mundo do Awaete Parakana é atualizada, onde a tradição oral, mitos, ritos, padrões de comportamento se manifestam de acordo com seu contexto ecológico, valores e crenças do Awaeté Parakana.


Figura 3. Alfabeto da língua materna awaete xe´enga
Figura 3. Alfabeto da língua materna awaete xe´enga
Figura 3. Alfabeto da língua materna awaete xe´enga
(Fonte: autor)

Um detalhe que observamos durante a visita na aldeia de Xataopawa foi a chegada de um homem que veio de motocicleta para vender peixe fresco aos nativos por um preço razoável em reais. Essa observação de campo nos fez pensar sobre o processo de mudança cultural de muitos povos nativos. Nesse caso, a introdução de produtos que os nativos poderiam pescar são facilmente adquiridos em troca de alguns reais, a moeda brasileira, gerando uma mudança nas práticas culturais.

Também teríamos que analisar o ciclo anual de Parakana em termos de calendário agrícola, caça, pesca, plantio e colheita de frutas e produtos comestíveis. Os Parakana não parecem ter a pesca como uma atividade diária. Um dos problemas atuais que Antonia mencionou e preocupa as autoridades indígenas é o aumento da população demográfica em relação ao território ocupado e oficialmente limitado pela FUNAI. Com base na relação entre crescimento demográfico e limites territoriais, são levantados os problemas relacionados à educação indígena, suas tradições e aspectos da saúde da comunidade relacionados ao ambiente e às condições geográficas atuais.


Figura 5. Venda de peixe (Fonte: autor)

Durante a visita à aldeia de Parakana, pudemos testemunhar como uma pessoa não indígena veio à comunidade para comprar dos nativos várias arrobas do açaí selvagem da Amazônia. O açaí é uma fruta silvestre que cresce naturalmente no norte do Brasil. A árvore é uma variedade alta e fina de palmeira, cujo nome científico é Euterpe Oleracea. O açaí, além de possuir propriedades nutricionais e principalmente antioxidantes, possui propriedades curativas e etnomédicas que os nativos sabem preparar de acordo com o tipo de condição corporal. O açaí, como parte de seus produtos naturais que fazem parte de seu ecossistema, torna-se uma pequena fonte de renda econômica como recurso e produto de troca monetária para pessoas não indígenas interessadas em seu consumo.


Figura 6. Venda de Açaí. (Fonte: autor)

Referências bibliográficas

  • Lemos Braga de Moraes, Antonia. (2019). cognicoes dos profesores indígenas nas escolas parakana sobre habilidades sociais e desempenho académico. anais do 3º congresso internacional povos da america latina (cipial)
  • Saldaña Sousa, C.; Borda Perez, Deny K. (2019). Educação, cultura e aprendizagem: contributos para a construção da etnopsicología matshiguenga de Mazokiato, Cuzco, Perú. anais do 3º congresso internacional povos da america latina (cipial).

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